MEMÓRIA E IDENTIDADE PAULISTANA
A SÍNTESE: UM PERCURSO
Ao pontuar os elementos da pesquisa no mapa da cidade, pude observar que o centro histórico é onde essas camadas tem um peso representativo, pois é onde as camadas históricas se acumularam deixando evidente as relações entre patrimônio, espaço urbano e pessoas. Apesar de compreender que São Paulo não se resume ao centro e sua identidade vai muito mais além da cidade velha, acredito que essa análise é apenas uma prévia para uma compreensão mais ampla da cidade, dando margem à continuidade da pesquisa, criando cada vez mais camadas de análise e expandindo seus limites.
Focando na região do centro velho e centro novo, fiz um recorte que abrange a região da Sé, Pateo do Colégio e São Bento, atravessando os viadutos do Chá e Santa Efigênia chegando nas Avenidas Ipiranga e São João até o Largo do Arouche, passando pela Praça da República. A pesquisa gerou uma grande gama de informações, que analizando-as em conjunto pude observar um percurso significativo e representativo das tres memóras analizadas (memórias oficiais, memórias compartilhadas e memórias do cotidiano), como um fio que as une no tempo e no espaço. Este percurso reúne às tres camadas em uma caminhada de aproximadamente 40 minutos marcados por grandes espaços públicos que abrigaram manifestações, carnavais e chuvas de prata e onde também se encontram patrimônios históricos representativos da história da cidade de São Paulo e lugares ativos cotidianamente.
Descreverei o percurso tomando como base um dia em particular (Sábado, 23/10/2016 10:23am), mas tendo em mente selecionar elementos que são comuns do cotidiano da cidade em qualquer sábado de manhã.
Inicio o percurso na Praça da Sé, perto do monumento do marco zero da cidade, reparo em grupos turísticos e de estudantes que tiram fotos do lugar. Na escadaria da igreja dois homens pedem dinheiro e ao lado da suntuosa Igreja, em frente do Edifício do Ministério da Justiça permanecem muitos moradores de rua que se encomodam com o fato de estar tirando fotos do espaço em que eles estão. Atravesso a praça sob as palmeiras imperiais, desviando da feirinha de artesanatos e sigo de costas à igreja e entro à esquerda na Rua Direita.
A Rua Direita é muito dinâmica e movimentada devido seu comercio ativo e por ser uma ligação direta entre o viaduto do Chá e a Praça da Sé. Os camelôs estendem panos no chão onde colocam seus mais diversos produtos (bolsas, meias, capinhas para celular, celular, etc) e gritam para o ar com intuito de atrair compradores. O fluxo de pessoas é intenso e entre ele estão muitas “pessoas-cartazes”, pessoas vestidas de anúncios, principalmente de compra e venda de ouro e também com divulgação de serviços como advogado e dentistas. Ao longo da rua, muitas lojas, todas muito cheias e ao final a Praça do Patriarca.
A Praça é marcada pela grande cobertura branca que protege a entrada da galeria Prestes Maia e que nos leva ao vale do Anhangabaú. Existe uma placa com o símbolo indicando free wi-fi, isso gera um pequeno acúmulo de pessoas que usufruem da internet protegidas do sol, sentadas nos canteiros das duas únicas árvores presentes na praça. Um homem interrompe o meu caminho, ele deixa claro que não vai me assaltar e não pede dinheiro, ao invés disso, me dá um cd com o título: “um ex-assaltante anuncia a volta de Jesus Cristo”.
Seguindo o fluxo, atravesso o viaduto do Chá, onde à direita existe a vista para o vale do Anhangabaú e ao longe para o viaduto Santa Efigênia. Nessa travessia, o movimento principal é o fluxo de pessoas e um grupo de jovens meninas que param para tirar uma selfie com a paisagem de fundo. Marcando a extremidade esquerda do viaduto vejo o Shopping Light que tem um acesso franco para o térreo e um grande movimento de pessoas que entram e saem do edifício. Na extremidade esquerda vejo o Teatro Municipal que possui uma escadaria utilizada como uma área de permanência onde muitas pessoas sentam, no entanto poucas pessoas de fato entram no edifício, mesmo estando aberto para visitações de meia em meia hora. Em frente ao teatro um homem fantasiado de Elvis Presley dubla músicas do cantor norte americano e causa uma aglomeração de pessoas que filmam a cena com seus celulares.
Virando a direita depois do viaduto do Chá e ao lado do Teatro Munical existe a Praça Ramos de Azevedo, que faz a mudança de nível entre o viaduto e o vale do Anhnagabaú. Nesse espaço há pouco movimento, apenas algumas pessoas sentadas, mas eu precisei procurar para encontrar. Chegando no Vale do Anhangabaú, avisto alguns meninos brincando de skate nos canteiros e, caminhando contra o viaduto do chá, sentido av. São João, pouca coisa aconteceu. O edifício CBI-Esplanada é imponente na paisagem e se avista de longe devido à sua altura, mas não permite o acesso livre por conta do uso. Desviei dos degraus que conformam um volume no meio do vale interrompendo um importante eixo da cidade e entrei na Avenida São João deixando para trás os edifícios Martinelli e Banespa (do outro lado do Vale do Anhangabaú).
O início da Avenida São João ainda permace peatonal, acompanhando o piso do Vale do Anhangabaú, e existe bastante movimento. Muitos artesãos vendem seus produtos sentados no chão e edifícios históricos fazem parte dessa paisagem, como o edifício dos Correios e Telégrafos que possui acesso livre desde o térreo, e o edifício do Concervatório Dramático e Musical de São Paulo que hoje conforma a Praça das Artes e foi recentemente restaurado. Quando termina a parte peatonal da avenida, é possível avistar a pequena praça do Largo Paissandú e sua igreja amarela, a Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Esta praça tem uma dinâmica de bairro onde o parquinho acolhe as crianças e pessoas sentam em cadeiras de praia aproveiando o sábado. Esse ambiente é reforçado pelas bandeirinhas coloridas que foram colocadas na frente da igreja e geram um sentimento acolhedor às pessoas que convivem com aquele espaço. Notei um grupo de pessoas que me pareceram se apropriar bem do espaço, e não pareciam gostar com o fato deu estar com uma câmera tirando fotos da praça, então guardei a câmera e segui na larga avenida, onde agora a presença do automóvel torna-se marcante. Ao chegar no cruzamento da Avenida São João com a Ipiranga, viro à esquerda e vejo o edifício do Cine Ipiranga no qual é notável sua marquise de caráter moderno. Mais para frente já é possível enxergar a grande massa arbórea da Praça da República.
Chegando na praça, sigo por seus caminhos orgânicos e sombreados, onde a presença da água deixa o percurso mais agradável. Chegando em frente à praça, encontro uma grande feirinha de artesanatos e quadros que gera um movimento intenso no lugar. Apesar de não existir bancos, as pessoas se apropriam do espaço de diversas maneiras e o movimento é potencializado pela entrada do metrô. Consigo ouvir os mais diversos barulhos, tanto músicas calmas de sons da natureza, como pessoas gritando e alguém tocando flauta. O edifício presente na praça, o Ministério da Educação Caetano de Campos, não interfere no movimento da praça, mas conforma um “corredor” onde todas essas atividades acontecem.
Seguindo para a Rua Araújo e entrando à direita na Rua General Jardim, passo por moradores de rua que dormem na calçada e atravesso mesas de bar chegando ao encontro do edifício do Instituto de Arquitetos do Brasil, que se destaca dos demais pela sua arquitetura moderna e por sua inserção no meio urbano, possuindo comercio do térreo e obtendo uma fachada que se comunica com o exterior.
Ao fim do percurso, percebi que realmente tinha permeado entre as camadas que estou abordando. Principalmente nos espaços públicos que estão relacionados a um bem cultural. Pude notar diferentes maneiras de apropriação dos espaços, assim como são geradas sensações diferentes em casa lugar. Ora me sentia acuada, ora me sentia acolhida ou apenas de passagem. O uso dos espaços está diretamente ligada à sua apropriação e seu potencial de promover encontros e permanências.