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IDENTIDADE PAULISTANA: ORIGEM E REPERCUSSÕES 

    Da mesma maneira em que as memórias e a camada social são importantes para a concepção de cidade, os fatos históricos que são oficializados e tomados com verdade também fazem parte de uma camada que se mostra rígida e imutável. No entanto, sua análise torna-se reveladora a medida em que são levadas em consideração as motivações, os critérios e o contexto em que cada fato e acontecimento histórico foi oficializado e passado para os livros de históra. 
    Pesquisando sobre o tema, me chamou a atenção o texto de Lilia Schwarcz(10) onde é colocado em pauta a origem da história de São Paulo, e de como surgiu o forte sentimento regionalista tão característico do paulistano. No Brasil dos fins do século XIX, o Rio de Janeiro era a referência cultural do país, enquanto que São Paulo, apesar de possuir potência econômica, não tinha relevância cultural ou política. Neste momento o país havia acabado de se tornar independente e por isso, enquanto que o Rio ainda se apoioava em conceitos de governo relacionados à monarquia recém-caída, São Paulo buscava ter um papel representativo como um estado essencialmente republicano e assim, se sobressair e carregar, finalmente, importância política e cultural deixando de ser uma pequena província no interior do país. 
    Foi com essa grande vontade de assumir para si uma identidade potente e significativa que foi criado o Instituto de História e Geografia de São Paulo (IHGSP), onde seriam investigados fatos e personagens da história que poderiam dar à cidade o caráter desbravador e revolucionário desejado. Para isso, precisavam eleger personagens precisos e com caráter específicos que traduzissem o que é o ser paulistano, ou na realidade, traduzisse a imagem do ser paulistado que se desejava emitir. Um exemplo disso, foi a ação do IHGSP ao destacar a figura do bandeirante como símbolo da região, a figura romantizada do homem branco e aventureiro que adentrava em matas desconhecidas em busca de riquezas. 

“Em São Paulo estaria concentrada uma elite, uma cápsula da nação, suficiente para marcar suas glórias e conquistas. Por um lado foi a partir do IHGSP que criou uma história paulistana, dando passado ao Estado e generalizando certas histórias particulares. Com efeito, o instituto cumpriu a risca o ditado que diz que ‘para bem lembrar é preciso esquecer.“ (SCHWARCZ, Lília - “A construção de uma identidade paulista“)(11)

    O IHGSP foi uma instituição de cunho científico e de pesquisa patrocinada por uma elite muito restrita e tinha como função analisar qual passado representaria aquele presente e como isso se projetaria no futuro. No fundo, tudo girava em torno de uma imagem e de um status social, político e econômico, e de certa forma, as informações foram elencadas de maneira que se construísse a imagem desejada, ou seja, a imagem do paulistano no início do século XX era uma imagem estabelecida e cuidadosamente criada por um pequeno número de pessoas que representavam aquela pequena cidade provinciana. Foi dessa maneira que a idéia de identidade paulistana surgiu, no entanto, como aquelas decisões refletem nos dias de hoje? Ainda temos essa noção de identidade tão marcante quanto nossos antepassados desejavam? 
    Atualmente, a noção de identidade não é tão sólida, pois com a consolidação da cidade, as inúmeras camadas históricas se acumularam gerando uma complexa metrópole cosmopolita onde, felizmente, não é definida somente por uma classe de pessoas, mas acolhe inúmeras tribos que convivem e coexistem fazendo parte do mesmo tecido histórico. A idéia de identidade passa a ser uma busca relacionada à ideia de pertencimento aos espaços urbanos e às relações entre pessoas com características semelhantes, e não mais a um conceito geral de unidade do paulistano. 
    Ao mesmo tempo em que não existe mais a busca pela externalização e exaltação do que é o ser paulistano por um pequeno grupo da elite, São Paulo hoje é simbolo da diversidade e efervessência cultural e o que reflete o ser paulistano são os lugares que frequentamos e com quem frequentamos. No entanto, a possibilidade de atrair tantas pessoas diferentes, faz da cidade um polo de eventos e acontecimentos diferentes. O paulistano hoje em dia pode ser tanto a pessoa que nasceu, foi criada e vive aqui, quanto uma pessoa que tem pais coreanos, nasceu no Paraguai e vive em São Paulo desde os 12 anos. Assim como o extrangeiro que veio fazer intercâmbio e se apaixonou pela cidade e aqui ficou. Ou seja, não existe definição certa do que é o ser paulistano e mesmo assim ainda é possível destinguir o que o identifica.

“A identidade pessoal, como todo processo de construção ou reforço de identidade, não remete a uma essência, mas a uma situação de interação: o ‘eu’ se define, sempre, diante do ‘outro’, de preferência na escala de grupos ou sociedades”(12)

Notas:

10. Lilia Schwarcz: historiadora e antropóloga brasileira, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo e, atualmente, professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na mesma universidade.
11. SCHWARCZ, Lilia. A construção de uma identidade paulistana. Os nascimentos de São Paulo. São Paulo. Edidouro. 2004
12. MENESES, Ulpiano T. B. Memória e cultura material: documentos pessoais e espaço público. Estudos Históricos, São Paulo, n. 21, p. 89-103, 1998.

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