MEMÓRIA E IDENTIDADE PAULISTANA
O CRESCIMENTO DA CIDADE E A SOBREPOSIÇÃO DE CAMADAS
Por volta de 1870, com a inauguração de iluminação à gás, o início da circulação de bondes de tração animal e com as primeiras obras de implantação de esgoto, a cidade sofreu uma verdadeira revolução urbanística, deixando de ser uma pacata cidade de burocratas, barões de café, estudantes e tropeiros e revelou os primeiros traços de uma cidade potencialmente sofisticada e poderosa.
Essa mudança foi escancarada quando a “The São Paulo Tramway, Light and Power”, empresa canadense de energia e infra estrutura se estabeleceu em São Paulo em 1899 e comprou a concessão para explorar o serviço de transportes eletrificados na cidade. A Light, como é conhecida, também passa a investir em geração e distribuição de energia. A partir daí, a cidade começa a crescer em um ritmo acelerado. A disponibilidade crescente de energia elétrica, permitiu a expansão da indústria e do desenvolvimento de comunicações internas, propiciadas pelo bonde. Havia uma sensível expansão das atividades urbanas, a energia elétrica e os transportes alavancaram o dinamismo do comércio, da indústria, dos serviços, das atividades domésticas e do lazer.
Neste momento, São Paulo já havia sido marcada como o grande centro industrial do Brasil e continuou crescendo incansavelmente ao longo dos anos 20. Ao mesmo tempo que a periferia da cidade se expandia, o centro se verticalizava com a construção de prédios. Em dez anos, de 1920 a 1930, a população da cidade pulou de 587 mil habitantes para 888 mil, um crescimento de mais de 50%. “É a cidade frenética que Mário de Andrade batiza de ‘Paulicéia desvairada’ em seu mais famoso poema e na qual Macunaíma faz suas peripécias”(13).
Após esses anos de euforia e crescimento, São Paulo adquiriu a enorme facilidade de sobrepor camadas históricas a medida em que sua história foi se concretizando. A cidade cresceu sobre si, demolindo, construindo por cima do tempo que passou, resignificando espaços e usos, tornando muitos dos lugares irreconhecíveis aos moradores que viveram em uma outra São Paulo. Ao mesmo tempo, alguns traços dessa história ainda são possíveis distinguir. Esses traços são reconhecíveis principalmente pela matéria concreta na qual são contruídos os edifícios e marcos históricos que definem a cidade, o que desaparece com o tempo, soterrados pelas outras camadas históricas, são as memórias, o cotidiano dos antigos moradores, a rotina de milhares que hoje não faz mais sentido. Como recuperar essas memórias? Seria possivel traze-las à superfície dos dias atuais?
“Mais do que nunca é preciso lembrar o quanto São Paulo tem esse aspecto autodevorador. E uma de suas consequências é exatamente a destruição de sua história, na medida mesmo em que ela se constitui como uma experiência social. Isso faz com que a perda da identidade seja uma das características dessa experiência paulista, dessa costrução de uma comunidade tão complexa e ao mesmo tempo tão volátil“.(14)
“(...) com o tempo, a cidade cresce sobre si mesma, adquire consciência e memória sobre si mesma. Na sua construção permanessem os motivos originais, mas, simutaneamente, a cidade torna mais precisos e modifica os motivos de seu desenvolvimento.”(15)
“Até a década de 60, São Paulo ainda existia, depois procurei mas não achei São Paulo. O Brás, cadê o Brás? E o Bexiga, cadê? Mandaram-me procurar a Sé. Não achei. Só vejo carros e cimento armado.” (BARBOSA, Adoiran – 1979)(16)
Fonte: Jornal GGN
viaduto do chá
vista aérea de São Paulo
Fonte: Jornal GGN
Notas:
13. PONTES, José Alfredo Vidigal. O desvario dos anos 20. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas à metrópole. Terceiro Nome. 2003 p.19
14. SEVCENKO, Nicolau. O renascimento modernista de São Paulo na década de 1920. Os nascimentos de São Paulo. São Paulo. Edidouro. 2004
15. ROSSI, Aldo. fatos urbanos e a teoria da cidade. A arquitetura da cidade. Martins Fontes. 2001
16. BARBOSA, Adoniran. http://almanaque.folha.uol.com.br/adoniram.htm