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HISTÓRIA, MEMÓRIA E LUGAR

    A partir dessas reflexões, considerei que a história das cidades não são construidas apenas pelos fatos históricos que são escolhidos para serem lembrados ou de decisões políticas feitas por um pequeno número de pessoas, são feitas também por um mosaico de memórias e contos de seus próprios moradores que reagem a essas questões políticas e sociais. Qualquer cidadão pode compartilhar sua história e assim adicionar sentido e significado para cada espaço da cidade. Podemos dizer que São Paulo são 12,03 milhões de cidades em uma. Nesse sentido, o ato de inserir o cidadão nas camadas históricas de análise, não apenas como massa, mas como indivíduos agregadores de informação, gera uma margem de interpretação da imagem da cidade onde ela não é mais estática, no sentido em que a história não é mais um dado pronto, mas sim uma malha de informações dinâmica e independe do seu tempo. Os fatos históricos e dados específicos podem permanecer estáticos e geram embasamento para algumas conclusões, no entando a memória como dado contribuinte à história pode se modificar a medida que se adicionam esses dados imaterias e por vezes incertos, mas que são relevantes para a compreensão da cidade em sua totalidade. Entendendo esses outros meios de análise não entramos em contato somente com os fatos em si, mas tomamos consciencia de uma experiência passada que só se torna compreensível a partir do momento que nos colocamos fora de nossa camada histórica.

“Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de longas latências e de repetitivas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente.”  (NORA, 1993).(5)

    Consequentemente, torna-se necessário considerar o passado como um “presente histórico”(6), ou seja, relacionar-se com o passado de maneira a reconhecê-lo e inseri-lo no presente para assim, entender históricamente o passado e conseguir distinguir o que servirá para as situações e compreender os espaços do agora. “Neste sentido, o presente histórico é o presente que traz raízes e memorias não sendo, contudo passado, pois ninguém vive em tempos remotos, da mesma forma que é impossível habitar o futuro.”(7)
    Dessa forma, presente e memória tornam conceitos muito importantes e significativos dos tempos atuais, onde o passado, devido às mudanças drásticas sofrida pela cidade, tanto no campo social e político, quanto no campo material da arquitetura e do urbanismo, torna-se distante e irreconhecível (não-identificável), ao mesmo tempo em que momentos de crises atuais geram uma visão do futuro nebulosa e incompreensível, com ansiedade e inquietação. Por isso é compreensível o apego às memórias e à busca pelo identificável, a camada que habita a cidade pede por uma relação palpável com a mesma.

“conscientes de seus fundamentos narrativos e políticos, as práticas historiográficas se inscrevem desde então em uma tensão entre solicitações do presente e o peso da tradição, com sua exigência da memória” (CALAME, Claude – “Por uma antropologia das práticas historiográficas”)(8)

    Por isso, um personagem indispensável nessa forma de pensar a cidade e sua história é a figura da testemunha, que antes de mais nada, é a voz do outro, um personagem ativo que relata, vive e registra o cotidiano da cidade. Este personagem é o que torna possível o princípio de história ligado ao papel da memória. Ao mesmo tempo é preciso investigar também as ações coletivas que modificam as percepções de espaço pré-estabelecidas pelas ruas e edifícios, os espaços ocupados geram memórias e agregam sentido aos mesmos. De que forma o espaço influencia na relação das pessoas? Espaços públicos podem ser amplos e abertos e ao mesmo tempo vazios, mas também podem ser potencializadores de atividades efemeras ou e aglomeradores de pessoas em situações específicas. A espontaneidade dos espaços são gerados de maneira coletiva, assim como a própria cidade e seus eventos. 
    Busquei então uma forma de pesquisa que englobasse essas representações pessoais da cidade e o quanto isso é significativo para a história de um lugar. Sendo assim considerei como um dado importante a representação da cidade em imagem, fazendo do fotógrafo a testemunha, pensando nas práticas cotidianas e como elas são representativas de seu próprio tempo. Também foi preciso avaliar esses grandes acontecimentos que fizeram com que um grande número de pessoas se encontrassem no mesmo espaço gerando memórias coletivas. 


“Como encontrar um sentido que não seja histórico? Nem por seus materiais nem por seus significados as obras transcendem o homem. Todas são ‘para’ e um ‘em direção’ que desembocam num homem concreto, que por sua vez só adquire significação dentro de uma história precisa. ”.(9)

Notas:

5. NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”, In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dezembro de 1993.
6. Lina Bo Bardi apud MIRANDA, 1999.
7. MACIEL, Ana Paulo; GARCIA, Fernanda Ghirotto; MAGALHÃES, Maria Angélica. “Presente histórico: o antigo e o novo na obra de Lina Bo Bardi“. p.04
8. CALAME, Claude. “Pour une anthropologie des pratiques historiographiques”. L’Homme,
n. 173, 2005, p. 11.
9.PAZ, Otávio. “O arco e a lira“. Rio de Janeiro. Nova Fronteira,1982 p.15

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